quinta-feira, novembro 23, 2017

Post 6465 - Desafio 1/10 Vida

As mãos, estranhamente tremiam.
Olhou para elas, brancas, com as articulações dos dedos salientes, transpareciam as veias azuis, evidenciavam-se os pontos castanhos nelas semeados.
Orgulhara-se da sua força e da sua delicadeza.
No trabalho conseguia operar todas as máquinas que o exigiam. Tinham-no até referido no seu discurso da despedida.
Houve uma altura em que com apenas uma das mãos segurara o seu filho, bebé recém-nascido. Continuara depois a ser capaz de o erguer do chão numa brincadeira só dos dois, utilizando de seguida as duas mãos para o colocar às cavalitas.
O filho crescera e entre eles tinha-se instalado uma reserva pesada.
Fora capaz com elas de acariciar tão levemente o rosto da mulher, que apenas os dois o viam. Com um toque assim se despediu, a frieza da face dela a dizer-lhe que a partir dali só ele o sabia.
Olhava pouco para si próprio sobretudo desde que deixara de fazer a barba. No pequeno espelho da casa de banho, embaciado pelo vapor da água e pelo tempo, mal se via. Reconhecia o seu reflexo, mas não tinha notado como mudara.
Naquela segunda-feira fora às compras como costumava fazer todas as semanas.
Voltara apenas com dois sacos plásticos, pouco cheios.
Custou-lhe mais do que se lembrava subir os dois lances de escadas. Atribuiu-o ao tabaco, mau hábito que ainda não deixara, e ao frio.
Pousou os sacos junto à porta, enquanto procurava a chave no bolso do casaco.
E foi então que o notou, aquele tremor bem visível. Com dificuldade encontrou a chave e enfiou-a na fechadura.
Envelhecera.
Pela primeira vez pensou na idade que tinha e em como o veriam aqueles com quem se cruzava.
Talvez devesse marcar uma consulta no Centro de Saúde. E talvez devesse ligar ao filho.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. muito obrigada Laura, como admiro tanto o que escreves, gostei muito do teu comentário

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  2. Um texto muito bom amiga. Um retrato de vida que gostei de ler.
    Um abraço e bom fim de semana

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    1. e poderia repetir aqui o que escrevi em cima, Elvira
      obrigada pelo incentivo e pela companhia
      um abraço

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