segunda-feira, fevereiro 12, 2018

Post 6535 - Passatempo, Desafio de Escrita

Participação em Passatempo de Escrita da Revista Bang - prazo termina no final do dia de amanhã
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O Planeta Verde


1ª Entrada
Somos todos pessoas azuis, aqui.
Estou a escrever este caderno como um diário para mim próprio. Se outra pessoa o ler, não será um bom sinal. Significará que morri. Ou que o perdi.
Pretendo escrever sobre a expedição e instalação do primeiro colonato no Planeta Verde (que realmente é azul, como a Terra costumava ser, mas os políticos decidiram que não seria politicamente correcto chamar-lhe Planeta Azul ou Terra 2).
À primeira vista, pareceria que estamos na Terra, como era antes. Céus e mares azuis, vegetação verde, um Sol e uma Lua. No entanto, desde que aterrámos algo reage na nossa pele face à atmosfera do Planeta, deixando-nos a todos azulados, independentemente da nossa cor, brancos, amarelos, pretos, todos aqui ficamos azuis.
Além disto também os cheiros me surpreendem e chocam, simultaneamente familiares e estranhos por de onde advêm. As árvores por exemplo cheiram a mar. Ainda não me aproximei de algum oceano para descobrir a que cheirará, mas desconfio que não será a mar.
Para cá chegarmos, estivemos em hibernação durante sessenta e três anos. Não envelhecemos nada, acho. Sinto-me um pouco mais rígido, mas poderá ter sido por ter estado imóvel durante todos esses anos. Quando me olho em qualquer espelho, reconheço-me…excepto pela cor.
Disseram-nos que neste Planeta do reino animal apenas existiam pequenos roedores não inteligentes e estariam para lá dos muros que nos cercam. Sou o que se chama um operário. Estão sempre a dar-me ordens. Contudo, a ser assim, estranhei que tivéssemos trazido tantas armas de grande destruição e também que precisássemos de muros.
Ganhei o sorteio para participar nesta aventura. Comprei a história toda do novo começo sem poluição. A certa altura comecei a suspeitar que talvez não tenha sido um sorteio. Antes de partir não encontrei ninguém que se tivesse inscrito e não tivesse ganho.
Decidi “perder-me” para além dos muros e escrever neste caderno sobre o que encontrar.

2ª Entrada
Passaram vários ciclos desde a intenção aqui revelada e pouco depois concretizada. Aproveitei uma explosão inesperada porque já tinha tudo preparado. Confiei que com a confusão não iriam dar logo pela minha falta. E resultou. Tanto quanto sei, não deram logo pela minha falta… nem depois. Ninguém veio atrás de mim. Levei um veículo de duas rodas a energia solar, agasalho e alimento. Começo a arrepender-me da minha decisão. Percorro campos, espaços entre as árvores que cheiram a mar. Nada vejo de diferente, embora me comece a parecer estranho como são tão regulares, como se traçados a esquadro por gigantes ou engenheiros.

3ª Entrada
Pareço-me ouvir vozes. Acordei em sobressalto onde adormecera, encostado a uma árvore. Poderei estar a ter miragens ou a experimentar alguma psicose. Talvez deva pensar em regressar.´

4ª Entrada
Tinha ouvido mesmo vozes. Ao longe vejo edificações que integram um pequeno povoado e não de roedores e sim de hominídeos. Não é possível que eu esteja a descobrir algo que com todo o equipamento e conhecimento os cientistas do Colonato desconhecessem. Porque não nos terão contado sobre eles?
Decidi aproximar-me.

5ª Entrada
Já suficientemente perto, constato que parecem humanos, e a sua pele não reage da mesma forma com a atmosfera como a nossa, e por isso não são azuis. Parecem-se connosco ou com o que nós costumávamos parecer antes de aqui chegarmos.

Tive um encontro com um deles! Sinto que devo escrever sobre isso. Ele não pareceu surpreendido por me ver mas bastante feliz. Isolara-se dos restantes, aproximando-se vagarosamente de onde eu estava. Trazia com ele uma espécie de cantil, do qual ia bebericando, enquanto andava e cantava para a Lua. Pelo menos achei que seria o que estava a fazer, porque entoava sons que eu desconheço e parecia dirigir‑se a ela. Tentei dizer-lhe que vinha em paz e não ter qualquer gesto ameaçador. Ele sorriu para mim, escorregou para o chão e adormeceu. Parece-me bastante promissor. Sentei-me perto dele e também adormeci.

7ª Entrada
Despertei de forma abrupta a ser atacado por hominídeo que me atirava com pedras e areia enquanto balbuciava palavras que não percebi. Parecia aterrorizado. Não consegui tranquilizá-lo com nenhum dos gestos que preparara. Não consegui permanecer com um ar tranquilo e pacífico, enquanto ele me atacava, quando as pedras me acertavam doía. Comecei também a atirar-lhe pedras. A certa altura ele escorregou, caiu, bateu com a cabeça na raiz de uma árvore e ficou inconsciente. Por instantes vi-me como ele me via. Para ele, eu sou o alienígena azul. Decidi fugir, ou antes, abandonar o local, antes que outros como ele pudessem chegar, atraídos pelos seus gritos.
Vou regressar ao Colonato.




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