sábado, abril 21, 2018

Post 6646 - Desafio de Escrita 10/10 - Carta rasgada


Dia ainda a começar, céu cinzento, frio húmido a tolher-lhe os movimentos.
Ainda meio a dormir, saudoso da cama quente, arrastou os pés até à paragem e estacou no final, sem olhar nem ver os demais na fila.
“Desculpe, poderia levantar o seu pé direito?”
Apesar da pergunta ser colocada por uma voz fininha, assustou-o. Não estava a contar que alguém se lhe dirigisse. Olhou para a miúda à sua frente, baixinha e bonita, talvez dezassete ou dezoito anos, talvez mesmo da sua idade.
Depois de a ver a ela, desceu mais o olhar, até ao seu pé direito. A ponta da sua bota segurava parte de uma folha de papel manuscrita. Rapidamente baixou-se para a agarrar e por baixo dessa parte, também a outra meio dobrada, só presa por um fiapo de papel,
É sua? Perguntou, segurando-a entre dois dedos, a pensar para si como parecia estúpido tratarem-se por você sendo da mesma idade.
Não, mas quero ler o que  diz.
E também ele quis ler o que dizia. Em vez de lhe dar a carta, levantou-a e começou a ler:
“Meu amor”
Ela interrompeu-o zangada, puxou o papel, provocando um rasgão diferente, perpendicular. Cada um ficou com uma parte da carta. Ele a olhá-la surpreendido, mas então a carta não era dela, certo? Ela a olhá-lo, ou antes, a fulminá-lo com os olhos semi-cerrados.
A carta é para mim.
Sempre é tua, então?
E depois?
Prova-o e dou-ta.
Tem o meu nome,
Voltou a ler “Meu amor Lúcia”
Eu sou a Lúcia. É do meu ex traidor.
Vais voltar para ele?
Sem chance!
Chegou o autocarro e entraram, cada um a segurar o seu pedaço de carta.
Lá dentro deixou-se convencer a restituir-lhe o seu, e pensou que gostaria de lhe escrever uma carta que ela quisesse guardar.

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